Como Falken resolve os seus crimes?


COMO FALKEN RESOLVE OS SEUS CRIMES?

"É impossível a um homem aprender o que ele acha que já sabe."
(Epicteto, 55 a. C - 135 d. C.)


Olá pessoal. Estou num sábado, sem nada para fazer, então decidi publicar um post aqui na página de Mystery City para falar de um assunto que eu gosto muito, pois acho que todo o detetive é um cientista enrustido...

O que a polícia busca na solução de um crime? Geralmente os detetives buscam a resposta de três perguntas quando realizam uma investigação:

  • Autor (Quem)
  • Motivação (Por que)
  • Arma do crime (Como)

Imagine que você está na pele de Thomas Falken , em Mystery City, investigando um crime como o que foi apresentado no caso "The Secret Code". Enquanto estava tranquilo em seu escritório, não sabia nada a respeito do crime. Ao receber um telefonema do comissário de polícia, descobriu que ocorreu uma morte suspeita e também o local. Ao chegar neste lugar, conheceu as circunstâncias da morte e teve uma ideia inicial de como a pessoa morreu. Foi por causas naturais ou existiam evidências de um ato violento? Se houvesse violência, o detetive levantaria a hipótese de um assassinato. Quando isso se tornar uma certeza, quem cometeu o crime? Como a vítima morreu?

As estatísticas bayesianas descrevem como funciona o processo de investigação de um detetive - a cada nova evidência recebida, mais claro fica como o crime aconteceu, como um quebra-cabeças que vai se formando a cada nova peça encaixada. Ao analisar o corpo, Falken descobriu não existiam sinais de violência, mas havia pistas que reforçavam a tese de um assassinato. Como a vítima foi morta, se não ocorreu nenhuma perfuração de faca ou bala?

Falken tem experiência de outros crimes e consultou os arquivos de Mystery City para entender como a maioria dos crimes na cidade ocorreram nos últimos anos:

casoautormotivoarma
1cônjugepassionalrevolver
2estranhoroubofaca
3cônjugepassionalveneno
4familiarpassionalrevólver
5cônjugeacidentefaca
6estranhoacidenteautomóvel
7familiaracidenterevólver
8estranhorouborevólver
9familiaracidenteautomóvel
10vítimapsicológicoveneno
11estranhoacidenteautomóvel
12vítimapsicológicocorda


Vamos calcular as probabilidades de cada feature isolada:

Autor:

P(cônjuge) = 25% (3 casos / 12 crimes)
P(estranho) =~ 33,33%
P(familiar) = 25%
P(vítima) =~ 16,67%

Motivo:

P(passional) = 25%
P(roubo) =~ 16,67%
P(acidente) =~ 41,67%
P(psicológico) =~ 16,67%

Arma:

P(revólver) =~ 33,33%
P(faca) =~ 16,67%
P(automóvel) = 25%
P(veneno) =~ 16,67%
P(corda) =~ 8,33%

O que Falken aprendeu sobre Mystery City?

  • Os autores dos crimes são cônjuges, estranhos e familiares, mais ou menos na mesma proporção (entre 25% e 30%). Suicídios são menos frequentes, por volta de 16%;
  • Os cidadãos de Mystery City são descuidados (42% de acidentes). Crimes passionais são também frequentes, com 25%. A cidade é razoavelmente segura, com 16% de roubos e os moradores não são infelizes na maior parte do tempo (16% apenas sofriam de depressão).
  • Os moradores da cidade são muito armados, pois quase metade dos crimes ocorreram por causa de um revólver ou de uma faca. A terceira causa é a morte por imperícia ou falta de cuidado no trânsito.

O que Falken sabe até agora sobre a vítima?

  • A vítima morreu num lugar fechado: atropelamento está descartado;
  • A vítima não tem sinais de violência nem marcas no pescoço: revolver, faca e corda estão descartados;

Se a arma do crime não pode ser uma faca, um revólver, uma corda ou um automóvel, o que sobra? Veneno.

Tendo essa certeza, o próximo passo é investigar o autor:

Qual a probabilidade de ocorrer uma morte causada pelo cônjuge E por envenenamento?

P(cônjuge, veneno) =~ 8,33% (1 caso dentre 12 crimes)

Parece ser uma probabilidade muito pequena, não é mesmo? Antes de continuarmos o raciocínio, vamos recapitular um pouco alguns conceitos matemáticos:

Probabilidade Condicional é uma probabilidade que depende de uma condição. Por exemplo:

- Qual a probabilidade de que o autor do crime seja o cônjuge, dado que a vítima foi morta com veneno?

Podemos escrever assim: de todos os autores que cometeram o crime, qual fração usou veneno?

Mortes por veneno: 2
Dessas 2, quantas foram cometidas pelo cônjuge: 1
Temos então a probabilidade condicional de 1/2 = 0,5 = 50%

A probabilidade condicional pode ser escrita matematicamente assim:

P(cônjuge | veneno) = P(cônjuge, veneno) / P(veneno)

Vamos calcular a probabilidade condicional de todos os autores:

P(cônjuge | veneno) = 50%
P(estranho | veneno) = 0%
P(familiar | veneno) = 0%
P(vítima | veneno) = 50%

Pelas estatísticas de Mystery City, os dois únicos possíveis autores de mortes por veneno são cônjuges ou então as próprias vítimas (suicídio). Analisando mais a cena do crime, Falken encontrou provas de que não foi a vítima quem cometeu o crime, reforçando a hipótese de assassinato.

Note que a probabilidade do cônjuge dado veneno é diferente da probabilidade da morte ocorrer por veneno, dado o cônjuge. Confira:

P(cônjuge | veneno) = 50%
P(veneno | cônjuge) =~ 33,33%

Repare que a probabilidade do autor ser o cônjuge, dado que a arma do crime foi veneno é muito maior do que a arma ser veneno, dado que o autor é o cônjuge. Se olhar os dados, descobrirá que um cônjuge cometeu um crime com um revólver também. Diferente da conjunção, onde P(cônjuge, veneno) = P(veneno, cônjuge), note que a probabilidade condicional não é comutativa:   

P(cônjuge | veneno) <> P(veneno | cônjuge) 

Voltando ao crime, a hipótese atual (morte por veneno, causada pelo cônjuge) já tem 50% de certeza:

H1 = autor cônjuge, arma veneno
P(H1) >> P(cônjuge) ou P(veneno)

A probabilidade condicional da hipótese (cônjuge, dado veneno) é muito maior que as probabilidades isoladas de cada uma das partes (só cônjuge ou só veneno).

Falken então passa a investigar o motivo do crime e agora vai aprofundar a tese de um crime passional, com nova hipótese:

H2 = crime passional, dado H1

É possível condicionar vários eventos em cadeia:

P(passional | cônjuge, veneno) = P(passional, cônjuge | veneno) / P(cônjuge | veneno)

A probabilidade de crime passional acontecer, sendo que tanto o cônjuge quanto o veneno aconteceram.  Outra forma de calcular é a seguinte:

P(passional | cônjuge, veneno) = P(passional, cônjuge, veneno) / ( P(cônjuge) x P(veneno | cônjuge) )

Vamos realizar os cálculos: 

P(passional, cônjuge, veneno) = 0,0833 (8,33%), ou 1 caso de 12 crimes
P(cônjuge) = 0,25 (25%), já calculado, que são 3 casos de 12 crimes
P(veneno | cônjuge) = 0,3333 (3,33%)
P(passional | cônjuge, veneno) = 0,0833 / (0,25 x 0,3333) = 1,0 = 100%

A nova tese tem 100% de confiança. Falken parece ter resolvido o problema, encontrado a resposta para as três perguntas necessárias e finalmente fechar o caso.

Mas espere! Uma nova pista surgiu para invalidar a hipótese acima: a vítima não era casada ou envolvida amorosamente com ninguém.

E agora?

Com essa nova informação, a investigação deve continuar! ;-)

Até a próxima,
Rogério Biondi

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